segunda-feira, 11 de maio de 2009

FARFISA (o orgão do psicadelismo)


FARFISA é um órgão italiano que funciona a transístores de forma a simular um órgão de tubos. Esta tecnologia permitia construir um instrumento fácil de transportar e a preço de compra mais acessível.

Na verdade não há muita informação sobre a história desta empresa. Curiosamente, descobri que nem os antigos trabalhadores da firma conseguem datar os teclados ainda existentes. Gianfranco Dallu (técnico na Farfisa durante 30 anos) confirmou o seguinte: “There's NO WAY to date a Compact organ by its serial number, since the whole Compact organs series (Compact/DeLuxe/Mini and Duo) serial numbers were given randomly!".

Pelo que se pôde apurar, a Farfisa foi fundada em 1948 pelas famílias de Scandalli (Silvio Scandalli) e Soprani (Settimio & Paolo) como fábrica de acordeões a transístores.

O nome “Farfisa” é uma espécie de acrónimo de "FAbbriche Riunite De FISArmoniche" (União de fábricas de acordeões) relativa à fusão das fábricas Settimio, Soprani, Scandalli e Frontallini.

Nos anos 60, de acordo com a tendência da época, a empresa apercebe-se que os órgãos portáteis estavam a ser muito procurados. Pegaram na tecnologia usada nos acordeões e começam a fabricar órgãos por volta de 1964:

1964 – 1969 modelos Compact.

1968 – 1971 modelos Fast.

1968 – 1975 modelos Professional

Além destas séries houve também os modelos VIP, Matador e um sintetizador chamado Syntorchestra.

O teclista dos Doors usava Farfisa, motivo pelo qual não tinham baixista! O órgão tinha um som de baixo típico. Ouçam gravações dos concertos deles e tentem perceber o que quero dizer.

Um dos utilizadores mais famosos foi Richard Wright. Usou o modelo Compact Duo nos primeiros álbuns de Pink Floyd, passando mais tarde para o Hammond. No entanto, Wright volta ao Farfisa na tournée de David Gilmour de 2006 até à data do seu falecimento em 2008.

John Paul Jones dos Led Zeppelin foi outro dos famosos e que usou o modelo VIP-255 em vários temas da banda.

Tenho na ideia que na banda sonora do filme “O bom, o mau e o vilão”, Ennio usou um Farfisa no tema em que “Tuco” acende uma cigarrilha na perseguição que fazia a “Blondie”.

Os exemplos são aos milhares e o som varia bastante consoante o modelo.

É fácil encontrar esses órgãos a preços muito acessíveis para restauro (entre 60-100€). Normalmente precisam de uma boa limpeza nos contactos e de condensadores electrolíticos novos. Se precisarem de peças ou o esquema da parte electrónica, ainda podem falar com membros da antiga Farfisa. Não dêem dinheiro a oportunistas que anunciam que têm esquemas raros e únicos para vários modelos. Basta mandarem um e-mail para satco@bontempi.com e receberão resposta com tudo o que precisarem!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

José Cid - Um homem vindo do Espaço


José Albano Salter Cid de Ferreira Tavares (José Cid) nasceu em Chamusca no ano 1942. O seu amor pela música leva-o a lutar pelo sonho, contra os pais, contra um regime político ditatorial… chegou inclusivamente a frequentar o curso de Direito na Universidade de Coimbra, mas desistiu para seguir a vida de músico.

Passou por alguns projectos, mas é no Quarteto 1111 que nasce o artista em si, cantando e tocando teclado.

O grande êxito “A lenda de El-Rei D. Sebastião” catapultou o nome José Cid para outros caminhos, inclusivamente futuras participações no Festival RTP da Canção.

O Quarteto 1111 teve problemas com a censura. Conta-se que os discos foram queimados e proibidos… Havia uma história em que se dizia que a P.I.D.E. avisou o José Cid para não cantar a frase “fugiu de Alcácer Quibir”, tendo que substituir por “depois de Alcácer Quibir”. José aceitou! A música começa e Cid canta: “FUGIU…”! Nem o regime o domava!

No ano de 1974, já depois da Revolução dos cravos, o Quarteto 1111 lança um último trabalho. Note-se que na capa lemos: “José Cid & Quarteto 1111”. A banda terminaria ali o seu ciclo. “Quando, Onde, Porquê, Cantamos pessoas vivas” é o primeiro trabalho de rock progressivo do músico, marcada por um início notável de Mellotron. Vale a pena lembrar que este trabalho é chamado “obra ensaio”, uma vez que é uma gravação de um ensaio gravada por pistas.

José Cid nunca parava: lá ia participando nos festivais e chegou mesmo a receber um prémio de composição notável em Tóquio.

Em 1977 gravou o EP “Vida (sons do quotidiano). É um álbum de conceito (rock progressivo) que aborda a vida desde o nascimento até à morte. Há quem diga que o acidente de viação (que lhe retirou a visão de um dos olhos) pode ter sido a inspiração para esta obra. No final da música, coincidência ou não, ouve-se um acidente de carro. Foram usados os seguintes teclados: Piano, Mellotron, Moog e um String synth (provavelmente um ARP Solina).

No ano seguinte lançou o álbum 10,000 anos depois entre Vénus e Marte: o melhor trabalho de toda a sua carreira. O conceito centra-se no facto da poluição ter obrigado a humanidade a ir viver para outro planeta. 10.000 Anos depois voltam à Terra para a povoar de novo. É incrível como o seu trabalho mais reconhecido no mundo, venha a ser a razão que o leva a compor para vender. A editora Orfeu achou que o álbum não era comercial, complicando todo o processo até ao ponto em que o músico preferiu abdicar dos direitos de autor para lançar a sua melhor obra! Como se não bastasse… as vendas foram mesmo um fracasso! Vejamos uma opinião mundial: “The 10,000 Anos... album is considered by Billboard magazine to be in the top 100 progressive albums, and by many, to be one of the Mellotron masterpieces. Cid's style on the record is very similar to the French take on symphonic rock with lots of string synths, Mellotron and a very simple melodic style. The guitar work works well with the keyboards. Lyrics are sung in native Portuguese. Most of the songs, influenced by a sort of mix combining The Moody Blues and Pink Floyd psychedelia (...)”.

Mais uma vez os seus teclados marcaram o som! O Mellotron e José Cid são sinónimos mundialmente pelo seu uso neste disco. Solos de Moog, os coros, os efeitos e os harpejos com eco, levam o ouvinte a uma viagem fantástica entre Vénus e Marte.

Depois desta viagem (que resulta num desvio brutal) Cid larga o rock progressivo definitivamente! Ao longo dos anos vende muitos sucessos comerciais, mas saliente-se que este homem sabe compor! O “mau” de José Cid é superior ao melhor de muitos… Estudem as funções tonais dos seus sucessos e tirem as vossas conclusões!


Um dia José Cid posou nu para uma revista de acontecimentos sociais, tapando o seu “órgão” com um dos seus discos de ouro! Não pensem que ele fez isso por narcisismo!

Na altura as rádios portuguesas só davam valor à música estrangeira (e hoje não?) desprezando os intérpretes portugueses. Cid, como forma de protesto, pega num ícone do seu valor e coloca-o em local estratégico para criar polémica! Conseguiu: as rádios são hoje obrigadas por lei a passar uma boa percentagem de música portuguesa!

Acredito que a frustração corra no sangue deste músico: um homem capaz, dotado de uma capacidade de composição e voz fora do comum que se vê obrigado a fazer música inferior e a viver para assistir à sua própria queda.

Pegando nas próprias palavras de José Cid: "Se Elton John tivesse nascido na Chamusca, não teria tido tanto êxito como eu." - In Pública, 2003.

sexta-feira, 6 de março de 2009

MELLOTRON... um planeta realmente fantástico!


O Mellotron foi dos primeiros “samplers” do mundo. É um teclado polifónico electromecânico que funciona através de fitas magnéticas áudio pré-gravadas (com um tempo de reprodução de oito segundos cada). Imagine-se um aparelho com dezenas e dezenas de cabeças de leitura! Era assim mesmo… Gravava-se um Dó# para a tecla Dó# e assim sucessivamente até se esgotar o âmbito do teclado ou instrumento “samplado”. Porém o utilizador não tinha de se preocupar com isso, pois todos os sons vinham preparados a tocar e o uso não oferecia qualquer dificuldade!

Os primeiros teclados a trabalhar neste sistema foram vendidos por Harry Chamberlin desde1948 e até aos anos setenta.

Tudo realmente arranca quando Bill Fransen levou dois desses teclados para a Inglaterra em 1962. Duma confusa união resulta uma companhia chamada Mellotronics que fabricou os primeiros Mellotrons.

Os primeiros (MK I e MK II) tinham dois teclados ao lado um do outro (o direito tinha os sons de solo: cordas, flautas e metais, o teclado esquerdo tinha faixas rítmicas pré-gravadas em vários estilos musicais).

Estes teclados foram criados para uso doméstico, logo não foram concebidos para serem portáteis. Só os modelos posteriores como o M300, M400 e o MKV permitiam mobilidade.

Na década de setenta, o Mellotron M400 teve um grande impacto no rock. Venderam-se 1800 unidades e tornou-se no som de marca de várias bandas de rock progressivo.

Os “Mellotrones” tinham som de cordas e sons de orquestra mas no entanto o modelo M400 já permitia que os bancos de registo (em fita) fossem trocados por outros (percussão, efeitos sonoros, etc.).

Este tipo de teclados distingue-se pelo som típico da fita magnética (um pouco como as antigas câmaras de eco) embora o resultado aqui seja uma agradável diferença no som da nota cada vez que é tocada. As notas, tocadas em conjunto, interagem entre si dando um som mais cheio.

Com um Mellotron as bandas podiam tocar as cordas, metais e corais que até aí eram impossíveis de recriar ao vivo.

Um dos factores que levou a um injusto desuso foi o facto de se achar que era um instrumento difícil de afinar. As fitas ficavam presas por vezes, quando houvesse problemas na velocidade da fita haveria desafinação, mas quem ainda trabalha com estas raridades rejeita tais calúnias.

O sítio oficial da Mellotron mostra que o preço de um desses instrumentos custava $5.200.00 em 1973 (+/- $25.000.00 agora).

Hoje não se vêm “Mellotrones” originais à venda em todo o lado. Nos anos noventa uma empresa produziu modelos baseados no M400 usando discos com “wav” gravados de cada nota de um original (MK VI).

Neste momento existem várias réplicas digitais (na versão de teclado ou VST) com um som muito convincente (uma vez que cada “sample” é gravado dum Mellotron antigo) sem os inconvenientes técnicos e logísticos que antes havia.

Lembro-me do tempo em que descobri o som do Mellotron… as cordas lembravam as orquestras ortodoxas alemãs dos anos 40, as flautas faziam-me viajar do sofá para o campo e de um modo geral aqueles sons faziam lembrar tempos idos…

Os temas gravados com estes sons são aos milhares e por isso deixo aqui alguns dos mais icónicos:


Beatles: Strawberry Fields Forever (1966)

The Moody Blues: Nights in White Satin (1967)

Pink Floyd: Atom heart mother (1970)

Yes: Close to the edge (1972)

Led Zeppelin: Rain Song (1973)

JOSÉ CID: Mellotron, o planeta fantástico (1978)

Radiohead: Exit Music (1997)

Porcupine Tree: Mellotron Scratch (2005)

Opeth: Porcelain Heart (2008)


Para quem ainda não sabe: José Cid (compositor e intérprete português) foi um utilizador de Mellotron com renome internacional. “Como Porquê Cantamos Pessoas Vivas” – 1975, Vida (Sons do Quotidiano) – 1976 e 10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte – 1978 são obras ímpares da música portuguesa e mundial. Discos obrigatórios para amantes do teclado MELLOTRON.